Em nome do quê?

Por Daniel Rubim

imagem: Richard Prince – Untitled (Cowboys), 1980. Divulgação

 

A mostra Em Nome dos Artistas – arte norte-americana na coleção Astrup Fearnley, hospedada pela Fundação Bienal de São Paulo de 20 de setembro a 4 de dezembro no prédio do Parque Ibirapuera é construída a partir de grandes nomes da arte contemporânea. Baseada na norueguesa Coleção Astrup Fearnley, vê-se nos primeiros metros de exposição os impactantes meio-bovinos Mother and Child Divided, de Damien Hirst. Com o segundo andar inteiro de uma nova geração de artistas internacionais, a coleção mostra trabalhos extremamente elaborados que compõem uma exposição fluida. O andar superior guarda diversas salas onde estão isolados, como que em apartamentos, os trabalhos de grandes nomes da arte contemporânea como Felix Gonzales-Torres, Jeff Koons, Cindy Sherman, e Matthew Barney, em um condomínio que ninguém pode perturbar o sono do adjacente.

Antes mesmo de entrar na exposição, com a imensa divulgação dos trabalhos expostos, nos perguntamos qual é a relação entre dita coleção e o Brasil. É uma acusação razoável ver o Parque Ibirapuera como um jardim tropical para estas peças, ainda mais com a promessa que a Fundação Bienal de São Paulo tem de “ser o elo entre o Brasil e a arte internacional”[i], que separa lá e cá. Mais do que ver esta exposição como uma luxúria caricata que a arte internacional tem como padrão, devemos nos colocar em pé de igualdade com esta coleção, anulando de vez a dicotomia entre arte brasileira e arte internacional em geral. Teríamos um cenário extremamente esquizofrênico ou cínico ao dizer que estamos acertando os ponteiros com uma arte avançada, um movimento que empurra a globalização goela abaixo do país, ao invés de ratificar nosso papel para uma cultura ocidental enquanto inúmeros pesquisadores de todo o planeta vêm ao Brasil para buscar melhores modos de pensamento. Nas palavras do crítico e curador francês Nicolas Bourriaud,

 

“Por que deveria um artista iraniano, chinês ou patagônio se ver forçado a produzir sua diferença cultural em suas obras, ao passo que um americano ou alemão é antes julgado a partir da crítica que faz aos modelos de pensamento e de sua resistência às injunções do poder e aos ditames das convenções?” [ii]

 

Ou seja: como estes contatos entre culturas oferecidos pela globalização podem ser produtivos sob os mesmos referenciais críticos e, ainda assim, não resultar em uma pasteurização das idéias locais em favor de uma cultura dita global?

A primeira possibilidade diante disso é assumir que tudo o que se produz no país nos próximos anos deve se alinhar ao visto nesta exposição, renegando nossa história a favor de um processo de ocidentalização onde o Brasil deixa de ser latino-americano e se torna ocidental. Na citação de Bourriaud, Iraniano, chinês ou patagônio servem como exemplos de países não alinhados historicamente ao pensamento ocidental pós-guerra fria, quando isto significava apenas alguns países Europa Ocidental e Estados Unidos, os primeiros capitalistas, separando-os dos exóticos latino-americanos, do leste europeu, entre outros. As linhas políticas aí são extremamente arbitrárias e se deslocaram nestes últimos 30 anos, num processo em que o Ocidente abraçou desde enormes terras contínuas como a Rússia –antigo inimigo, ex-coração da URSS- até pinçou Dubai e Abu-Dhabi daqueles estranhos do Oriente Médio que não são tão democráticos, mas têm ânimo o suficiente para a sua livre economia dar nova vida à antiga livre economia.

 

O mundo das civilizações pós-1990, in O Choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial.[iii

 

Outra possibilidade é o oposto: o Brasil, país emergente, bola da vez da economia globalizada, aceitar o convite/desafio de sabatinar os trabalhos expostos com os próprios instrumentos. Sabatinar sem coleguismos. Artistas como Jeff Koons, Damien Hirst e Matthew Barney têm no centro de seus discursos a construção da cultura americana como referência para o Ocidente pós Guerra Fria, sendo democracia e capitalismo –principalmente o capitalismo- os fundamentos desta. Uma época de crise capitalista, quando o Euro não está no auge da sua convicção, ameaçando provocar uma desunião européia, e protestos na cidade natal do capital financeiro americano com o movimento Occupy Wall Street, é um convite  a pensar quais discussões são relevantes hoje para o desenvolvimento intelectual do mundo ocidental e, principalmente, do capitalismo.

Enfim, a exposição do prédio da Bienal vem em nome não dos artistas, mas da ocidentalização do Brasil, que tem a brecha para deixar seu complexo de Zé Carioca e Carmem Miranda de lado. Mas para deixar de lado este rótulo do exotismo deve cumprir a exigência de contribuir para a arte contemporânea ocidental como um todo.


[i] Catálogo da Bienal de São Paulo, carta do presidente Heitor Martins

[ii] BOURRIAUD, Nicolas. Radicante, ed. Martins Fontes, São Paulo 2011. p.27

[iii] HUNTINGTON, Samuel P. – O Choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Ed. Objetiva LTDA., Rio de Janeiro, 2000. p. 26-27