A frase escolhida como título da mostra afirma uma presença tão frequentemente silenciada que precisa ser anunciada. Estamos aqui chama atenção para esse “monte de gente”, entre artistas e outros profissionais da área, que segue produzindo e pensando arte em lugares menos visíveis dentro do sistema. Reunimos, sobretudo, aqueles que se dedicam a fazer isso coletivamente ou que insistem em pensar a arte num horizonte comunitário. Estamos organizados em espaços independentes e plataformas virtuais, atuamos em rede, junto a movimentos sociais e culturais e também nos dirigimos aos espaços públicos: ocupando-o, questionando seus usos e o modo com que diferentes corpos e subjetividades marcam nele sua presença. Faz tempo que estamos por aqui. E agora fomos convidados a ocupar, durante quatro meses, o espaço expositivo do Sesc Pinheiros.
Estamos aqui convida à reflexão sobre a noção de território, compreendida uma dupla vertente. Numa primeira visada, refere-se à cidade que se transforma, ao bairro de Pinheiros e seus arredores e à própria noção de espaço público. Mas, também, compreendemos o corpo como território: o corpo que afirma sua existência e exige respeito, que questiona consensos identitários excludentes, corpo que se expressa com liberdade.
Pensando o território físico, o Largo da Batata surge como um primeiro foco: localizado a metros de distância do Sesc, a área foi um caso extensamente estudado de transformação urbana da cidade no início dos anos 2000. À época muitos coletivos, artistas e pensadores manifestaram-se contrários à forma com que essas mudanças foram idealizadas e implementadas. Eles produziram trabalhos que escancaravam o processo de gentrificação em curso, comentando a expulsão de parte da população local e também a orientação da reforma que atendia exclusivamente aos interesses da iniciativa privada. Anos depois, a Batata já “revitalizada” foi também ocupada por artistas em ações mais ou menos transgressoras ou oficiais, efêmeras ou duradouras, organizadas com o envolvimento de grandes empresas ou de forma independente, demonstrando que a área continua despertando interesse de diversos agentes culturais.
Além da Batata, outros focos surgem, como a luta para a criação do Parque da Fonte, no Morro do Querosene. Hoje, a criação do Parque é uma demanda da comunidade local que quer evitar mais uma destruição de uma área verde que poderia ser aberta ao público. As discussões sobre processos de gentrificação, especulação imobiliária e apagamentos históricos aparecem na exposição Estamos aqui, em muitos trabalhos que olham para a Zona Oeste e para a cidade de São Paulo como um todo.
Guilherme Wisnik em um de seus ensaios reunidos no livro “Espaço em obras” (edições Sesc) afirma:
“não faz mais sentido pensar o espaço urbano através da dualidade público/privado, herdada da antiguidade clássica e reatualizada no iluminismo europeu. Não é apenas o projeto exemplar de uma praça cívica – como a ágora ateniense ou o fórum romano – que fará o povo se reunir, exercer sua liberdade, discutir democraticamente as suas ideias e fazer valer a sua condição política e cidadã. (…) Sintomaticamente, praças e parques se tornaram espaços vazios ou residuais enquanto nós urbanos de transporte – ainda que sejam recintos urbanos precários – tais como os Largos 13, da Batata e da Concórdia ganham inusitada vitalidade (…) a cidade contemporânea é atravessada por fluxos heterogêneos pautados pelo sistema infra-estrutural ancorado na sua complexa rede de mobilidade”. (p. 17)
Na esteira do raciocínio de Wisnik, podemos talvez compreender porque os espaços e plataformas independentes de arte também ganharam “inusitada vitalidade” ao promoverem encontros entre artistas, curadores, pensadores e articularem campos de forças e redes essenciais para a continuidade da pesquisa em artes. Não importa se físicos ou virtuais, podemos defini-los como espaços comunitários. Nem rigorosamente públicos, pois, embora apoiados frequentemente por editais governamentais, não têm vínculo permanente com o Estado. Nem estritamente privados, já que não funcionam dentro da lógica empresarial: possibilitam o exercício crítico e são atentos às demandas da comunidade.
Num momento em que as múltiplas coletividades que compõem o circuito artístico reivindicam a devida presença de artistas mulheres, racializados, LGBTQIA+ e periféricos, atentando também para a interseccionalidade desses grupos, precisamos perguntar: que comunidades compõem o sistema da arte em suas variadas esferas? Como se dá o reconhecimento de cada uma delas?
Podemos pensar nos próprios corpos dos indivíduos como espaços ativos de sociabilidade, principalmente quando consideramos marcadores sociais como gênero e raça, que recaem diretamente sobre esses sujeitos. É possível falar de ancestralidade, uma transmissão de práticas e saberes através de gerações, que se manifesta nos corpos. Ou construções corporais e subjetivas que rompem com os regramentos e as delimitações em vigência, inaugurando novas possibilidades e significações para a existência.
A história já longa do Ateliê397 – que em 2022 vai completar 20 anos – nos fez tomar como estratégia de pesquisa o mapeamento de outros espaços independentes que, como nós, são fundamentais para o exercício da crítica e a formação dos artistas hoje. Espaços físicos ou virtuais onde se experimenta a convivência e as trocas, espaços formados pelos artistas aqui presentes e que também os (trans)formam constantemente.
As obras expostas acabam refletindo certas características comuns, seja numa materialidade vulgar, que se apropria da linguagem das ruas, reaproveita aquilo que está disponível e que é descartado como “lixo” ou utiliza recursos tecnológicos mais acessíveis – um celular, um computador de uso pessoal – por exemplo. Seja também numa certa aposta em uma informalidade, uma relação sem cerimônia entre a obra e o público, uma radical recusa do cubo branco como espaço apartado e sacralizado. Nesse sentido, a expografia é também um trabalho de arte, feito pelo artista Edu Marin, apenas com material usado na última exposição do Sesc Pinheiros. Os traços dessa ocupação anterior não serão apagados, ficando visíveis como memória e interferência ruidosa construtiva. Alguns dos trabalhos expostos levantam aspectos da arquitetura do Sesc Pinheiros e de como o prédio se relaciona com o entorno. A fachada da construção e a varanda do segundo andar aparecem como pontos estratégicos para o diálogo com a paisagem externa.
Com essa exposição, em que convivem artistas de diversas gerações e linguagens, esperamos poder trazer um panorama amplo daquilo que vem sendo produzido e elaborado nesses lugares obscenos (ob-scaenam, do latim: aquilo que não é mostrado, que fica fora da cena).
Artistas
A Revolução Não Será Televisionada; Alexandre Wahrhaftig, Guilherme Giufrida, Helena Ungaretti, Miguel Antunes Ramos; ali: leste; Aline Motta; Ana Matheus Abbade; BijaRi; Bruna Kury; Bruno Baietto; C. L. Salvaro; Chico Togni & Kadija de Paula; Edu Marin; Erica Ferrari; Foi à Feira; Guillermina Bustos; Heloisa Hariadne; Isabela Alves; Jaime Lauriano; Kauê Garcia; Laixxmo; Lícida Vidal; Luana Lins; Manuela Costa Lima; Mari Nagem; Natalie Braido; Pedro Gallego; Raphael Escobar; Raphael Franco; Rebeca Ramos; Sergio Pinzón, Serigrafistas Queer; Xiclet e Yiftah Peled.
Ficha técnica
Organização: Ateliê 397
Equipe Curatorial: Thaís Rivitti (curadora), Caio Bonifácio, Érica Burini, Tania Rivitti
Produção executiva: Lorena Vilela
Produção: Isabela Vilela, Helena Prado
Apoio de produção: Áurea Rosa, Bruna Fernanda
Intervenção expográfica: Edu Marin
Projeto expográfico: Jeanine Menezes – Estúdio Gru
Projeto luminotécnico: Fernanda Carvalho Lighting Design, Cristina Souto (assistente)
Projeto estrutural e de elétrica: Murilo Jarreta
Fotografia: Mariana Chama
Registro e edição videográfica: Luccas Villela
Revisão de textos: Ana Elisa Camasmie
Identidade visual e design gráfico: Vitor Cesar com Marina Dahmer
Montagem fina: André Luis Valester Calvente, Miguel de Freitas Ribeiro, Wanderlei Blassioli Junior, Willians Pereira
Equipe de intervenção expográfica: Antonio Ewbank, Chico Togni, Gabriel Mayumã Lopes Zarella, Marta Junqueira Bruno, Ronaldo Santos Barbosa
Apoio de montagem: Cesar Lopes – Quilombo Cenografia
Produção de obra da artista Erica Ferrari: Ana Chun
SERVIÇO
De 12 de janeiro a 24 de abril de 2022.
Terça a sábado, das 10h30 às 20h30. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h30
Local: Espaço Expositivo (2º andar)
Ingressos Grátis | Classificação indicativa: Livre
Visitas acessíveis – LIBRAS
Com Educativo da ocupação
Dias 22/1, 5/2, 19/2, 5/3, 19/3, 2/4, 16/4, 23/4.
Sábados, das 15h às 17h
Espaço Expositivo 2º Andar
Sesc Pinheiros – Rua Paes Leme, 195
Tel.: 11 3095.9400
*Para entrada na unidade é necessária a apresentação de certificado de vacinação contra a COVID-19 com as duas doses ou dose única, em formato físico (recebido no ato da vacinação ou impresso nos portais disponíveis) digital (disponibilizado pelas plataformas VaciVida, ConecteSUS ou pelo aplicativo e-saúdeSP) ou imagem do comprovante, juntamente a um documento com foto (RG ou CNH, por exemplo).
Estacionamento Veículos e motos:
R$ 12,00 as 3 primeiras horas e R$ 2,00 a cada hora adicional (Credencial Plena)
R$ 18,00 as 3 primeiras horas e R$ 3,00 a cada hora adicional (Credencial MIS, Credencial Atividades e não credenciados ao Sesc)
Transporte Público: Metrô Faria Lima – 500m / Estação Pinheiros – 800m