Covil | Leonardo Stroka
O Ateliê397, com apoio da Secretaria da Cultura de São Paulo, via ProaC, apresenta a exposição Covil, do artista Leonardo Stroka, com curadoria de Yudi Rafael. A mostra é a terceira das quatro exposições previstas na programação do projeto Corredor397 2016, com trabalhos de intervenção pensados para a área aberta do espaço.
Em Covil, Leonardo Stroka instala uma estrutura de ferro no corredor do Ateliê397, estabelecendo um espaço temporário onde área aberta e fechada, interior e exterior, se misturam. O trabalho se volta para sua própria materialidade, tornando visível os indícios de seu processo de feitura e os efeitos do tempo, que têm continuidade no período da exposição.
Programação gratuita.
Serviço:
Covil, exposição de Leonardo Stroka
Curadoria de Yudi Rafael
Abertura: 17/08/2016, quarta-feira, às 19h30
Visitação: 18/08 a 16/09/2016
Horário: segunda a sexta-feira, das 14h às 19h
Local: Ateliê397
Rua Wisard, 397 – Vila Madalena
Tel: 3034-2132
https://atelie397.com/
Do aço à ferrugem, por Yudi Rafael
{english below}
Uma estrutura enferrujada se faz presente no corredor: esqueleto de construção, erigi-se de forma precária, fixando-se ao solo por meio de ganchos como uma barraca de acampamento. É possível adentrá-la, mas os ângulos e inclinações, a ferrugem e o aspecto rasgante reforçam o desconforto de sua aspereza. Não só, suas dimensões colocam-na a meio caminho entre o arquitetônico e o objetal: é grande demais para ser portável, mas pequena demais para acolher de forma corriqueira nossos corpos.
Se estas armações e grades evocam as estruturas rígidas da construção, ou mesmo a imagem de uma gaiola, um cercado ou canil, sua forma, marcada por aberturas, não se presta as funções impeditivas de tais recintos. A idéia de um interior e um exterior se dilui num jogo em que fora e dentro se permeiam, misturando-se. Não só a luz atravessa as aberturas de sua estrutura para adentrar seu interior e espraiar pelo entorno, mas também a chuva, o vento ou mesmo o próprio público.
Síntese de construção e dispositivo de segurança, o trabalho alude à soluções primevas de gestão dos fluxos, da circulação, do movimento de ir e vir, inscrevendo-se em um imaginário do controle, do medo e do desejo de verticalização. Provisória e disfuncional, porém, ela nada abriga ou oculta, mas se afirma como célula de um pensamento em estado de erosão.
Em Covil, a estrutura se distancia da polidez e da promessa de imutabilidade frente aos efeitos do tempo e as transformações do mundo, características freqüentemente atribuídas ao aço. Por sua dureza e inflexibilidade, o aço teria se tornado, para o artista Robert Smithson[1], símbolo de uma ideologia da tecnologia – de um mundo povoado por materiais produzidos em ambientes ‘fechados e puros’ de laboratórios, cujo tempo responderia apenas a dimensão imediata da ‘oferta e procura’.
Mas se estes materiais de laboratório não cessam de obstruir nossa visão para os processos de inatividade, entropia e ruína, como aponta, a ferrugem, ao contrário, escaparia ao ideal da assepsia. Espécie de capa marrom-avermelhada, a ferrugem poderia nos falar sobre estados de corrosão, de disrupção suspensa, de refugos entre mente e matéria, lembrando-nos que “nenhum material é sólido, [pois] todos eles contêm cavernas e fissuras”[2].
Sob as intempéries do tempo, as armações em grades de ferro, lâmpada, parafusos e abraçadeiras plásticas de Covil se instalam na área aberta do Ateliê397. Nelas, a matéria não esconde, mas revela as marcas incrustadas no corpo enquanto índice das transformações às quais submetida em seu processo de forja. Assim, uma lógica estrutural do espaço se exterioriza como resistência frente a reiteração de um tempo homogêneo, protegido e contínuo, refletindo dinâmicas constitutivas do próprio lugar onde se apresenta.
[1] SMITHSON, Robert. Uma sedimentação da mente: projetos de terra [1968]. Em: Escritos de artistas: anos 60/70 / seleção e comentários Glória Ferreira e Cecília Cotrim; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
[2] idem, p.190.
From steel to rust, by Yudi Rafael
A rusty structure can be seen in the hallway: the framework of a precariously erected building is settled to the ground through hooks as a camping tent. You can go into it, but the angles and inclinations, rust and ripping appearance reinforce the discomfort of its roughness. Additionally, its dimensions place it halfway between the architectural and the object: it is too big to be portable, but too small to accommodate our bodies in the usual way.
If these frames and grids evoke the rigid structures of construction, or even the image of a cage, an enclosure or a kennel, its form is characterized by openings and does not serve any purpose of confinement like that of those enclosures. The idea of an indoor and an outdoor space is diluted in a game where the inside and the outside permeate and blend. Not only the light passes through the openings of its structure to enter it and spread around, but also the rain, the wind or even the audience itself does.
Combining a building and a safety device, the work alludes to the primeval solutions for the management of flows, circulation, comings and goings, placing itself in an imagery of control, fear and desire of verticality. However provisional and dysfunctional, it houses or hides nothing, but it establishes itself as a cell of thought in an eroded state.
In Covil [Den], the structure moves away from politeness and the promise of immutability as a result of the effects of time and the changes in the world, features which are often attributed to steel. Due to its hardness and rigidity, steel would have become, according to artist Robert Smithson, the symbol of a technological ideology – of a world populated by materials produced in enclosed ‘pure’ laboratories, with no sense of time other than its immediate ‘supply and demand’.
But if these laboratory materials constantly blur our vision for inactivity, entropy and decay processes, as pointed out, rust instead would escape the ideal asepsis. A kind of reddish brown cover, rust could tell us about corrosion states, suspended disruption of waste between mind and matter, reminding us that “no materials are solid, [because] they all contain caverns and fissures.”
Subject to the vagaries of the weather, the iron grids, lamp, screws and plastic brackets of Covil settle in Ateliê397’s outdoor area. In them, the matter does not hide, but reveals the embedded marks on the body as an index of transformation to which it is subject during its forging process. Thus, a structural logic of space is externalized as resistance against the reiteration of a homogeneous, protected and continuous time, reflecting constitutive dynamics of the very place where it stands.