Onde o rio acaba

Para ampliar o diálogo com outras regiões do Brasil, promover a circulação da produção artística nacional e adensar a discussão acerca da arte contemporânea, o Ateliê 397 apresenta Onde o rio acaba, exposição elaborada dentro do projeto Carajás Visuais “Entre Rios e Redes” que traz trabalhos de artistas e ativistas culturais atuantes na região de Carajás, sudeste do Grão Pará.

A mostra elege como mote a discussão sócio-política atual: a possibilidade de transformação do rio Tocantins em uma hidrovia que servirá para escoar a produção da mineradora Vale. A exposição desdobra-se em três eixos de reflexão – o rio (vida e abandono), o território (propriedade e disputa) e a exploração (econômica e ambiental) – e é composta por um conjunto de materiais que tensionam a habitual divisão entre obras de arte, ações sociais e documentação.

A Porteira de Marcone Moreira abre, literalmente, a exposição, remetendo aos conflitos de terra muito presentes na região. O ato de restringir a circulação no interior do espaço do Ateliê mimetiza e reproduz a arbitrariedade das marcações de território no Brasil e acaba por explicitar também o quanto as situações de abuso (violência nos conflitos por terra, desrespeito com o meio-ambiente) são trancadas e escondidas da apreciação pública.

Desdobramento da ação realizada em Marabá durante residência artística de Maurício Adinolfi, BarcoЯ, as obras do artista aproximam-se da visualidade dos barcos pintados em Marabá, no rio Tocantins. O livro, originalmente pensado enquanto suporte de registro da experiência vivida, agora ganha autonomia em forma de objeto carregado de referências e padrões explorados ao longo da ação. As imagens projetadas, compilação com aproximadamente 2000 fotografias, trazem em cores o processo em si.

As fotografias de Helder Messiahs, da série Não rio mais, foram realizadas durante a comemoração dos 100 anos de Marabá. O fotojornalista documenta a construção e a travessia da balsa de buriti com um olhar capaz de apreender os fatos e, ao mesmo tempo, captar com sensibilidade o clima e o ambiente circundante.

Em paralelo ao rio, a terra em disputa é retratada a partir do registro da construção do monumento Castanheiras de Eldorado dos Carajás, concebido em processo colaborativo dentro do Movimento dos Trabalhados Sem Terra em homenagem ao massacre ocorrido em 1996 na região. A construção epopeica do monumento marca a bravura de heróis trabalhadores rurais que vivenciaram o assassinato de 19 companheiros em meio a uma guerra civil. Símbolo do imaginário regional, as castanheiras mortas despontam do solo em manifesto de resistência à tragédia imposta.

Outros trabalhos contextualizam a realidade local: o registro em áudio do neto que entrevista seu avô sobre o fim do rio pontua o sentimento da população frente à iminência da morte do rio; o ruído ininterrupto de Saque Contínuo reproduz o incômodo da presença do trem da Vale que, a cada hora, leva toneladas dos minérios extraídos da região; Do Rio ao Aço, sob outro enfoque, expõe igualmente o processo exploratório de minérios; os trabalhos de Domingos Nunes e de Pedro Morbach contrapõem a paisagem local e a degradação humana; o portfólio jornalístico de Ulisses Pompeu traz um apanhado de denúncias realizadas na mídia local; Viva Maria Floresta Viva é uma das muitas homenagens feitas a Maria do Espírito Santo, assassinada junto com seu companheiro de luta, José Cláudio Ribeiro da Silva, em 2011, por defender a floresta; os arquivos da Pastoral da Terra vêm para dar maior visibilidade ao complexo contexto da mostra.

Para encerrar a mostra, a obra de Antônio Botelho, Taba, traz o orgânico cotidiano oriundo da comunidade do Cabelo Seco, um dos bairros fundadores de Marabá, no encontro dos rios Itacaiúnas e Tocantins. Através de um sistema de troca e muito diálogo – uma tábua de cozinha usada por uma nova – o artista apresenta o universo íntimo das cozinhas locais em uma instalação de tábuas marcadas pelo tempo, pelo uso.

Camila Fialho e Thaís Rivitti