Gran Finale – Clínica geral do Ateliê397

 

Exposições de fim de curso acabam sendo uma encenação de final feliz, como se, ao final de um certo processo, os artistas envolvidos estivessem finalmente prontos para mostrar suas produções em público. A arbitrariedade em se reunir esses artistas pelo simples fato de que passaram algum tempo juntos também vira um problema para cada um, que deve resolver como manter os nexos do seu modo individual de produção sem se alienar dos outros trabalhos, do espaço e desse grande problema que é a exposição como o ponto máximo de um processo de formação.

Outra questão aqui, que, se não é tematizada pelos trabalhos, acaba girando em volta desse projeto, é o fato de que o Ateliê397 esteja deixando sua antiga sede, um lugar com uma forte memória, e está indo para um galpão. Se isso não é o assunto central de nenhum dos trabalhos, não deixa de ser uma dessas situações de “contexto” que grudam na história de uma exposição e nas análises que se venham a fazer dela. Afinal, essa é a última exposição neste espaço impregnado da memória material tanto das atividades artísticas que aconteceram aqui, quanto de uma arquitetura toda recortada de um momento em que a Vila Madalena ainda não era esse polo de espaços gourmet.

Nesse sentido, o título “Gran finale” funciona como círculos concêntricos, referindo-se ironicamente ao fim do curso, à transferência do espaço e à carga dramática que as duas situações carregam. Mas, em algum ponto, existe um problema mais fundo: tanto a permanência a duras penas do espaço independente, quanto o grupo de acompanhamento da produção desses artistas “em começo de carreira” dizem respeito a uma situação da arte, por um lado na esfera pública em geral, por outro, dentro do próprio sistema, com suas hierarquias internas.

Se a produção de arte é permeada por interesses econômicos, de status, visibilidade etc; temos que concordar que no fim das contas ela não é finalista. Quanto melhor quanto mais ela recuse um objetivo, ou embaralhe os que já estão dados. Nesse sentido, o investimento de energia, tempo e dinheiro em algo sem finalidade ou de uma finalidade ambígua, deve vir de um impulso e de uma mobilização de desejos muito enraizados (psiquicamente, individualmente, socialmente). Se alguém investe tanta energia num projeto com tanto gasto, deve existir de fundo um ponto que interesse a todos nós.

Tudo isso pra dizer que é desejável um sistema de arte profissionalizado, com espaços de formação densa e com a possibilidade de uma discussão sistemática em público, atravessando tanto quanto for possível os limites das relações pessoais. Entre as vantagens, estaria uma esfera pública mais estruturada, o que traria maior pluralidade de vozes e talvez levasse a compreensão da arte além de um mero signo de classe. Mais complexo ainda se, de dentro desse universo que tende a uma mera instrumentalização, os trabalhos conseguirem manter sua inquietação arbitrária e destilar o pulso crítico que os movem. De dentro. Mais potentes se, quanto mais expostos em situações adversas, os trabalhos conseguirem manter suas questões centrais funcionando; uns porque reagem ao espaço, outros porque se isolam, uns porque exigem um excesso de visibilidade, outros porque lidam com uma visualidade rebaixada e assim por diante. Até porque, a graça da exposição para o artista é se desprender da própria pesquisa e ver como os outros reagem, e para os interessados, para o público, é poder encontrar outras formas de pensar. A exposição como um espaço de discussão aberta, de novo, além das relações pessoais.

A dúvida sobre esse tipo de exposição é o se, essas questões todas não acabam sendo internalizadas nos modos de circulação dos trabalhos, quando não neles mesmos, numa espécie de acomodação. Como se os trabalhos fossem passando por etapas automáticas, sem duvidar ou reclamar os lugares de onde surgem. Como se o profissionalismo grudasse ali onde se desejaria que a produção continuasse como dúvida e as pesquisas acabassem caindo numa formatação rápida.

Sabemos que, ao longo da história, são recorrentes os casos de artistas que inventam o lugar onde seus trabalhos aparecem e inclusive, o impulso inicial de um lugar como o Ateliê397 era este: um conjunto de artistas que inventam um lugar para mostrar sua produção, ainda que numa escala reduzida, sem muita projeção. Mesmo que, depois as propostas de espaços independentes acabem mudando, seja para uma maior “institucionalização”, seja para a transformação em um espaço diretamente comercial.

Entre tantas questões flutuantes, esta exposição acontece. Antes assim que a pretensa coesão conceitual de trabalhos tão díspares, ou do que forjar uma proposta que unisse todos os trabalho a lugar comum… Resta sempre como questão de fundo perceber como cada trabalho reage aos problemas postos, às “molduras” que direcionam o modo como serão vistos. E talvez não reagir, manter a imobilidade e a continuidade dos modos de produção também seja uma saída questionadora.

Leandro Muniz


 

Serviço:
Exposição Gran Finale
Abertura 06 de dezembro às 19:30 hrs
Visitação: 07 de dezembro a 16 de dezembro das 14 às 19 hrs
Entrada livre

Local: Ateliê397
Rua Wisard, 397 – Vila Madalena
Mais informações
Tel: 3034-2132
https://atelie397.com/