Entrevista com a curadora Sofía Machain – Cineclube397

O Cineclube397 é um projeto dedicado à ampliação da experiência do cinema contemporâneo.

Com apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, via ProAC, o projeto apresenta a cada semestre ciclos curatoriais que exibem criadores desconhecidos do grande público. Fora dos circuitos comerciais, a programação promove tanto a formação de novos públicos como reflexões pertinentes à arte contemporânea.

Nesse sentido, o projeto exibiu no primeiro semestre a mostra retrospectiva do cineasta norte-americano James Benning, em diálogo com as projeções que marcaram o cinema nos anos 20 e o seu contexto de sociabilização: os cafés parisienses que exibiam os filmes dos irmãos Lumière enquanto o público comia, bebia e conversava, entrando e saindo do filme com uma liberdade hoje perdida nas exibições do cinema. A proposta do Cineclube397 é resgatar parte dessa atmosfera.

Nesta quarta feira, a partir das 19h, exibimos o filme Natural History (2014), última sessão da mostra dedicada a James Benning. O filme apresenta o diretor passeando pelo espaço interno do Museu de História Natural de Viena, através de longos planos, expondo os seres que habitam o espaço do acervo em uma condição de enclausuramento com o tempo.

Convidamos a crítica e curadora audiovisual Sofía Machain, que elabora o projeto, a conversar, em uma entrevista, sobre a obra provocativa desse diretor. Sofía responde questões sobre o cineasta que aborda em seus filmes um olhar sobre a imagem e a narrativa contemporânea, partindo de histórias pessoais, memória coletiva, o tempo e, sobretudo, a paisagem.

Partindo da premissa do programa, que se baliza na ampliação da experiência do cinema, porque a escolha de James Benning?

Os filmes do Benning se sustentam na relação de ver e escutar. São exercícios profundos de observação que para completar seu sentido precisam da colaboração do espetador, quem arremata esses longos planos fixos aparentemente vazios com os resquícios da sua memoria e outras partes da intimidade de cada um. Acho difícil nos dedicar a esse exercício tanto em casa como em uma sala de cinema. O espaço do nosso cineclube permite entrar e sair do que há na tela de acordo com nossas necessidades ou desejos. Existe um plano no filme Ruhr que mostra umas árvores movidas pelo vento onde de vez em quando passa um avião. Alguém na sessão saiu um momento e quando voltou me perguntou se ele tinha perdido algum avião passando. Nada disso tem importáncia em Benning, a experiência do cinema vai além na medida em que você se permite se apropiar da imagem e não se limitar a uma continuidade necessária ou uma trama bem definida.

Qual a importância dos cineclubes para formação de público?

Desde que a experiência do cinema é meramente individual os cineclubes são importantes. Eu gosto de assistir filmes sozinha na tela do meu computador, mas o cineclube retoma a dinâmica de assistir junto, em coletividade. Cria um clima legal entre as pessoas que assistem, o que não acontece nas salas de cinema. Por outro lado, os cineclubes deveriam apresentar aqueles trabalhos pouco vistos. Filmes difíceis de achar, menos simpáticos para as salas comerciais.

Que tipo de diálogos você pontuaria dentro da produção do cineasta se relacionam com o universo da arte contemporânea?

Acho que a pintura está muito presente, não só na composição da paisagem mas também no detalhe do olhar. Em Benning, cada plano está emoldurado como um quadro, dando igual importância a o que acontece por fora, daí a insistência na captação do som. A fotografia por outro lado está presente na captação do momento e, finalmente, o cinema, no decorrer do tempo.

Parece-nos visível nos filmes de Benning uma narrativa guiada por questões da paisagem e uma certa proximidade aos road movies norte-americanos. Nesse sentido, você acredita que nos filmes de Benning, como por exemplo, em Simple Pass, exibido na mostra, a imagem é pensada como uma narrativa de si mesma?

Sim. O conceito de narrativa é difícil de definir com exatidão. Estamos muito acostumados à narrativa que Hollywood nos ensina, e menos acostumados a narrativas mais abstratas. Nos filmes de Benning parece existir uma ou várias narrativas/histórias em cada plano. Em alguns filmes existe uma narrativa dada pela voz off, em outros pelo que acontece no céu em determinado momento…. Mas também dá para perceber uma narrativa geral na filmografia toda de Benning. Trata-se de uma narrativa menos estável, invisível de alguma maneira e que, de novo, depende um pouco da relação de reciprocidade entre a imagem e nós.

Qual a importância da presença dos cineclubes em contraponto às salas de exibição convencional?

O que acontece com a salas de cinema hoje é que viraram igrejas. Todos nós sabemos como nos comportar quando chegamos no cinema: proibido falar, proibido qualquer tipo de barulho, ficar na mesma posição e só sair da sala se for uma urgência mesmo. Aliás, é ridiculamente caro. A sala de cinema limita o espetador na relação com o filme, com as imagens e o som. Os cineclubes ou as salas alternativas deveriam ser espaços que brindem essa liberdade que acho foi suprimida nas salas comerciais.

Nas películas de Benning, percebe-se uma visão parecida aos dos primeiros realizadores, como, por exemplo, os irmãos Lumiére – planos longos, mudos, em que se exige um outro tipo de fruição do espectador. Você acha que essa posição se adequa também aos filmes de Benning?

Sim. Acho que os primeiros filmes e os de Benning se encontram em algum lugar. Os filmes dos Lumiére, por exemplo, além de serem planos fixos de uma duração considerável, parecem usar a câmera realmente como um terceiro olho que enxerga mais além do que sozinhos. Como se a câmera indicasse para onde olhar. Para mim, os filmes de Benning tem um pouco disso também. Criam uma conexão com o mundo, funcionam como tentativa de ir mais adiante, de descobrir algo mais difícil de ver sem a intervenção do cinema.

Nas películas do diretor, percebe-se um relação muito específica em relação ao tempo, como modelador da paisagem e narrativa. Você considera que o tempo é um dos elementos centrais para problematizar o cinema em geral?

Segundo o próprio Benning:

“A forma que sempre controlei o tempo nos meus filmes foi da maneira mais simples, quer dizer, pensar o tempo como uma quantidade. Por exemplo, se observo uma paisagem durante três minutos me sinto diferente do que se o observasse durante dez minutos. Então começo a pensar que cada tipo de entendimento é também uma função dessa coisa que chamamos tempo (se é que o tempo existe). Mas, de novo, no filme existe sim porque há uma tomada com tantos minutos de duração… […]

É engraçado porque as pessoas falam “É longo demais…”. Mas eu me pergunto, como pode algo ser “longo demais”? É o que é! Você não pode falar: “Isso dura dez minutos, é muito longo. Eu o poderia ter visto em cinco minutos”… Não, não é possível! Você teria visto 5 minutos então! Mesmo se nada acontece. Que não aconteça nada em cinco minutos é bastante diferente do que em dez minutos, pois você fica mais ansioso se quiser que alguma coisa aconteça. […]

A forma na qual as pessoas estão relacionadas com o tempo é uma função do tempo, como é também uma função de quem eles são. Mas você pode mudar o gosto, pode começar a enxergar talvez significados diferentes quando o tempo de um quadro rápido muda para algo mais devagar, pois algo diferente acontece.”