Bienal de Curitiba

Por Keila Kern

 

Em Setembro de 2011 foi inaugurada a mostra de arte contemporânea 6ª Bienal de Curitiba – VentoSul. Não, não houve nenhuma Bienal de Curitiba anteriormente. Em termos.

VentoSul é uma iniciativa do Instituto Paranaense de Artes, instituição privada criada no ano 2000 em Curitiba e que anteriormente atuava em Cascavel. As primeiras “Mostras de Artes Visuais Integração da América Latina – VentoSul” foram exposições itinerantes que nos anos 1993, 1994 e 1995 ocuparam espaços pelo interior do Paraná bem como São Paulo, Brasília e Buenos Aires. Em seu projeto inicial a ideia mais forte era a integração da arte latino-americana.

Entre 1995 e 2006 este evento não teve edições (justamente no momento em que nasce a Bienal do Mercosul de Porto Alegre, em 1997). O evento ressurge em 2007, já em Curitiba, sob o titulo de “4ª Mostra Latino-Americana de Artes Visuais – VentoSul”. Em sua quinta edição, em 2009, passa a se chamar “Bienal Latino-Americana de Artes Visuais – VentoSul” preservando o termo geográfico, mas já interessada numa integração maior com o resto do mundo. Agora em 2011 aconteceu como “6ª Bienal de Curitiba – VentoSul”, o que confirma uma mudança em sua vocação latino-americana para uma ação mais globalizada.

Adotar o orgulhoso título “Bienal de Curitiba”, hoje, quando o formato expositivo “Bienal” e a conexão “city marketing + artes” estão sendo repensados, é uma atitude um tanto desajeitada, já que desconsidera os debates – e as críticas – sobre essas estratégias. Da mesma forma, o tema adotado, “Além da Crise”, parece atual e sintonizado com o momento. Mas o impulso crítico para no título. Pensar as artes além da crise seria pensá-las contra as formas convencionais de globalização. Somar diversos curadores, diferentes artistas e uns tantos países numa mesma mostra é a maneira mais estereotipada de mundializar o evento. Pôr-se além da crise é pôr em questão as próprias formas contemporâneas de combinar autores pelos espaços.

Além da Crise

A equipe curatorial, que articulou obras de mais de 70 artistas de 37 países dos cinco continentes, foi composta por Ticio Escobar e Alfons Hug na curadoria geral; Adriana Almada e Paz Guevara co-curadoras; Alberto Saraiva na curadoria Brasil e Artur Freitas, Eliane Prolik e Simone Landal como curadores dos artistas locais. Equipe esta que, junto ao Instituto Paranaense de Arte, na figura de Luiz Ernesto Pereira, realizou o que, segundo a ministra Ana de Holanda em discurso de abertura, “[é], sem dúvida, o maior evento de arte contemporânea do Brasil neste ano”.

A extensa programação incluiu projeto educativo, palestras, mesas-redondas, cursos, mostra de filmes, performances, interferências urbanas, passeios de van, a pé e de bicicleta. Tudo sem catraca – com exceção do Museu Oscar Niemeyer, o MON.

Distribuída pela cidade, a bienal ocorreu principalmente em cinco museus entre o centro histórico e o Centro Cívico. Um possível percurso começaria pela visita ao Musa – Museu da UFPR, onde estavam as obras de Joaquín Sánchez e Marcelo Medina, passaria pela Bicicletaria Cultural, com os trabalhos de Fernando Rosenbaum e Cleverson Salvaro, e subiria pela galeria Andrade passando pelo Paço da Liberdade, até chegar na Casa Andrade Muricy onde estavam as pinturas e os trabalhos de Fernando Burjato, Andre Rigatti, Marina Rheingantz, Maria Lynch, Eduardo Berliner, Cristina Canale, Raul Cruz, Felipe Scandelari entre outros. Após esta visita, sairia-se do museu e, pegando a rua Saldanha Marinho (rua calçada, só para pedestres, onde tem o armazém Califórnia e alguns botecos sujos com cerveja bem gelada, locação do filme Estômago), encontraria-se a Catedral. Este percurso desceria agora as escadas à esquerda entrando assim na galeria Julio Moreira, que é uma passagem subterrânea onde estava a obra de Julio Lanzarini. Subiria-se novamente as escadas, avistando o Largo da Ordem onde se veria a pintura de Rimon Guimarães na empena cega da Casa Hofmann. Desceria-se a rua de pedras e mais uma calçada até chegar ao Solar do Barão. Este antigo solar abriga o Museu da Gravura e o Museu da Fotografia. Aqui estavam trabalhos de Liliana Porter, Luis Molina-Pantin, Javier López e Erika Meza, Inci Evine entre muitos outros. Do Solar do Barão continuaria se rumo ao Museu Alfredo Andersen ainda no centro histórico e então rumaria-se sentido MON. Um mineiro não diria, mas aqui vai uma pernada e talvez fosse recomendável um xi. Chegando no Museu Oscar Niemeyer seria necessário adquirir ingresso, passar na revista e subir a rampa onde se dava de encontro com um enorme pega varetas de Paulo Climachauska, o trabalho Modelo para armar. Entrando neste ambiente, era possível encontrar alguns dos trabalhos realizados especificamente para esta bienal e em relação a Curitiba, como a obra de Adrian Lohmüller; um grande bloco de calçamento com pedra portuguesas, o petit-pavê, que foi montado pedra a pedra no museu e cuja superfície dura ganha almofadas macias com os motivos geométricos tradicionais destas calçadas e o convite a subir, pisar, ficar à vontade. Ou o trabalho de Joanna Rajkowska que pesquisou a imigração polonesa em Curitiba e trouxe fotos e o fato do balão alemão Hindenburg como metáfora de contato com o velho continente. Ao final deste ambiente, seria preciso perceber que se deve ziguezaguear entre as paredes divisórias sem entrar nas salas “Anita Malfatti” ou “Coleção Brasiliana Itaú” ou “Map: Início do Acervo MON” entre outras, que não faziam parte da Bienal. Ou, em fazendo, seriam um traço especial desta mostra. Este percurso logo encontraria seu final em dois corredores onde 19 vídeos foram projetados lado a lado e frente a frente como numa “grande tela” com movimento. O roteiro continuaria por praças e parques, intervenções e performances, por teatros e auditórios em palestras e seminários.

 

Aquém da Crise

“Para evitar la melancolía, se vuelve preciso levantar otras plataformas de creencia, pensamiento y sensibilidad. Esta exigencia marca el momento positivo de la crisis, entendida ahora como disturbio  que obliga a repensar y reimaginar el mundo” [i]

É animadora a leitura do texto curatorial de Ticio Escobar sobre o tema da mostra. Escobar versa sobre crise da representação, tempos de crise, crise crítica, bienal e crise, artistas e crise e crise magnésia e crise para as costas e crise e crise. Seria ótimo ver essa crise toda colocada, instalada. A sensação é que agora podemos ter crise! Já! Vamos fazer algo a respeito! Mas o fato é que esta bienal não cuidou de explicitar a crise, de dar voz à crise. Não conseguiu criticar nenhuma das condições vigentes ou passadas no âmbito nem da arte, nem do mundo.

Houve sim crise na captação de recursos, nos artistas mal assistidos, na má qualidade dos projetores, no não pagamento de pró-labore ou cachê e outras crises mais que eu nem sei, mas estas são coisas que nós artistas podemos superar com certa facilidade se for para fazer um ótimo programa, ou não? [ii]

Não! Mas ali, onde se esperava, ou seja, no convívio conflitivo do mundo com a arte contemporânea, onde havia a possibilidade de uma crítica fresca, uma articulação criativa no encontro de artistas de tantas nacionalidades, isso não aconteceu. De alguma forma, tudo pareceu passar pela ordem e pela submissão. Pelo conforto e pela anulação.Um estado semelhante a antes de qualquer crise. Ou não, e o que é pior, a arte serviu como instrumento para velar o real estado de crise, nessa cidade que é uma das mais violentas e desiguais do Brasil[iii] com pose de modelo, calando os corações e bolsos rotos exibindo-se com ares de falsa sinceridade e falando com muitos sotaques. Quando tudo e qualquer coisa está em jogo, nada está em jogo. Por isso, para evitar essa cacofonia e mudez é que se fazia necessária a curadoria. “Repensar e reimaginar o mundo” veio antes de pensá-lo. Apesar dos bons trabalhos expostos.

 

Crise

Recentemente fiz o papel de advogada do diabo quando conversava com meu amigo Leo argumentando que uma bienal é um evento tão sugador de recursos de um município e de um estado (claro, pois é feito com recursos públicos geridos por instituições privadas), que eu até achava bom que ele viesse como diz Gerardo Mosquera, como um disco voador que pousa na tua cidade despejando seres estranhos e verdinhos que, depois da aparição voltam pro mundo da lua para só reaparecerem em dois anos. Se é pra ser espetacular a coisa, que bom que temos um respiro fora da chave Bienal. Seria bem chato ter que conviver com algo com a qual não se concorda ainda mais se essa coisa tão augusta ofusca a possibilidade de manifestações alternativas, mais naturais e mais orgânicas.

Tirando meu pessimismo dessa conversa, o arquivo histórico Wanda Svevo da Bienal de São Paulo e a Casa M da Bienal do Mercosul são iniciativas altamente positivas no sentido de continuidade e de escuta no período entre bienais. Por aqui, bom, teríamos que ter a visita mais frequente do Ministro da Cultura do Paraguai, o senhor Ticio Escobar e muitas muitas conversas. Digo isso por que Ticio é uma constante no VentoSul. Presente desde a fundação (como apoiador), foi curador da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª mostra. Também foi um dos curadores da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Bienal do Mercosul. Mesmo assim, arriscaria dizer que ele ainda vem naquele disco voador. Isso sem falar do senhores Alfons Hug e Paz Guevara, que ainda lamentam o fim das representações nacionais nas bienais e acreditam que mais é mais. Segundo Guevara “uma bienal é uma plataforma de pensamento e de cultura contemporânea, uma das únicas oportunidades de você ver o que acontece na China hoje no campo da cultura, ou no Vietnã ou Norteamérica ou Austrália. Coisas que não se consegue nos jornais, pois os jornais são muito limitados”.[iv] Eu diria que não acho que sejam os jornais os veículos ideais para esse tipo de informação, e que tampouco acredito que as bienais sejam, ainda, o instrumento de informações extra nacionais. Já o foram.

Entrar numa das salas de exposição do MON e ver uma “grande tela”, com trabalhos de tantas nacionalidades foi um tanto melancólico. Considero bienais plataformas importantes desde que gerem positivamente posicionamentos e propósitos. Desde a última contagem, que eu saiba, são ao redor do mundo 323 Bienais nos mais diversos formatos e intenções. No Brasil, região Sul e Sudeste, já temos duas que, tirados altos e baixos, estão valendo. Em Curitiba e entre essas duas, temos uma bienal feita à unha e, em parte, convenhamos, nas coxas. Vale agora investir em autenticidade. Aprender com o exemplo de alguns artistas que, ao negociarem bravamente seus espaços de exposição (como Fabio Noronha, que expôs seu trabalho, vídeo, em uma única exibição em cinema de circuito comercial, Fernando Rosenbaum que fundando a Bicicletaria Cultural estava em nenhum e em todos os lugares ou Cleverson Salvaro que estava em trânsito), procuraram dar autonomia e espaço de ressonância a seus trabalhos, inspirados pelo tema da mostra.

Com o perdão da tradução eu diria que “para evitar a melancolia é preciso erguer outras plataformas de credo, pensamento e sensibilidade. Esta necessidade marca o momento positivo da crise, entendida agora como distúrbio que obriga a decidir onde vou erguer a parede e onde pinto de azul.