Múltiplos397: Raphael Escobar

Escobar é um artista urbano. Seja a pé, de skate, de carro ou de transporte público, seu olhar permanece atento ao universo visual da cidade. Não importa se são símbolos, objetos ou situações planejadas intencionalmente, ou apenas um acúmulo caótico que povoa o cotidiano da cidade, o artista absorve a visualidade característica das ruas de São Paulo de modo peculiar. Longe de fazer coro ao estereótipo urbano do grafite que, em alguns casos, mais serve a uma estetização que encobre a deterioração do espaço público, Escobar trabalha com símbolos carregados de sentidos, a fim de criar cadências de significado que remetem às transformações do espaço urbano.
O trabalho Fóssil é construído sobre um destes símbolos. Escobar relembra os telefones públicos que funcionavam com fichas – os orelhões, como ficaram conhecidos popularmente – que, há alguns anos, eram muito presentes na cidade. Criando moldes de silicone a partir de um destes aparelhos, o artista reproduz suas formas em uma escultura em tamanho real, feita em concreto, material amplamente adotado na construção civil para erguer prédios, construir pontes, muros, calçadas e se transformou no solo natural da paisagem urbana.
A escolha pelo concreto, um material que carrega em si o índice da urbanização e, ao mesmo tempo, assemelha-se às pedras e sedimentos que compõem um fóssil, amplia os sentidos da obra. Os orelhões, assim, aparecem como vestígios de “antigas civilizações”, encontrados em um “sítio arqueológico” de um bairro que, dos anos 80 para cá, sofreu sucessivas intervenções até se transformar no que é hoje. Onipresentes na cidade pelo seu baixo custo e grande durabilidade, os orelhões foram por certo tempo incorporados ao mobiliário urbano. Mas, hoje, a presença desse telefones é menor. Os aparelhos mais antigos foram substituídos pelos novos, que funcionam com cartões, e encontram-se majoritariamente dentro de shoppings, estações de metrô e outros espaços internos.
Cidades são muitas vezes celebradas por seu dinamismo. Em busca do novo, o que é antigo é descartado, levando em conta apenas sua função primária, sem considerar seus aspectos simbólicos. O orelhão, presente em quase todos os quarteirões até a década de 90, era um objeto de uso público, coletivo, que guardavam em si o hábito de compartilhar o espaço comum da cidade.
Gradualmente, ele foi substituído por telefones privados. Em um primeiro momento, pelos telefones fixos domiciliares, que garantiam a privacidade da ligação, mas ainda estavam atrelados a uma arquitetura. Em seguida, pelos telefones celulares, privados e portáteis, mas ainda limitados a apenas fazer ligações. Hoje, estamos na era dos smartfones, pequenos escritórios móveis. Há quem diga que o orelhão perdeu sua razão de existência. Não apenas por seu antiquado visual robusto, mas por seu uso, que permite que a vizinha ouça sua
conversa e que faz com que 4 ou 5 famílias do mesmo quarteirão compartilhem um mesmo número de telefone. O orelhão, além da óbvia ferramenta de comunicação, é também ferramenta social, ponto de encontro, é onde viramos à esquerda para chegar no posto.

Daniel Rubim

Raphael Escobar, artista visual, bacharelando do Centro Universitário Belas Artes,trabalha com intervenções no espaço publico, graffiti e referencias tiradas do meio urbano, da cidade de São Paulo. Premiado com 1º lugar na 21ª Mostra de Arte da Juventude – SESC Ribeirão Preto, selecionado para residencia artística na Casa das Caldeiras, SP e para a 8ª edição do Abre Alas na Gentil Carioca, RJ.

 

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