Profissão curadora

Minha mãe é bióloga, porém sempre quis ser médica. Quando prestou vestibular medicina foi sua primeira opção, mas como não conseguiu entrar na Santa Casa estudou biologia na USP. Bióloga de formação, mestre, doutora e pós doutora, professora e coordenadora da pós-graduação do IPEN – USP, é um exemplo de profissional.

Na infância achava que doutor eram só aqueles formados em medicina e não entendia por que todos chamavam minha mãe de doutora se ela não era médica. Mas também reparava que na rua chamavam meu pai de doutor: o moço do bar, o pedinte da rua, o cuidador de carros etc… Ficava orgulhosa quando chamavam meus pais de doutores, pois me sentia mais segura na presença de “médicos”.

Meu nome é Paula Borghi de Mendoça, entretanto assino como Paula Borghi, uma maneira que encontrei de burlar as regras machistas, as quais somos acostumados. Borghi é o sobrenome do lado materno, um nome que me deu muito trabalho na escola, visto que muitos me chamavam de “Paula Boing” e outras coisas.

Enfim, me chamo Paula, pois minha mãe achava que soaria bem ter uma filha chamada de Dr. Paula. Esta foi a explicação que ela me deu do porque do meu nome, como se a letra A se esticasse conforme a pronúncia: Doutoraaaaaa Paaaaulaaaa. Por acaso do destino estudei artes visuais na FAAP, que também tem bastante A, contudo não é motivo de orgulho para esticar a vogal.

Para a surpresa da família me formei em artes visuais e trabalho com curadoria. A palavra curadora me faz sentir mais próxima do nome doutora, como se ainda houvesse alguma possibilidade de “curar”. Os médicos curam e os curadores também, porém não especificamente o mesmo. Enfim, os curadores curam sem curar, entende? Eu não, na verdade fico curiosa para saber o por que desta nomenclatura, dúvida que infelizmente o dicionário não pode responder, visto que a palavra “curador” e “curadoria” não são reconhecidas no vocabulário oficial da língua portuguesa.

Por outro lado, a semântica de minha profissão se aproximou do desejo de ser doutora. Em poucos meses começam as aulas do mestrado em curadoria e na sequência as do doutorado. Além de curadora também participo e organizo residências, tantos nacionais como internacionais, fazendo de mim praticamente uma doutora, que não é medica nem tampouco doutoranda e mesmo assim cura e reside.

Além de curar e residir, hoje em dia é muito comum o curador crítico. Semana passada no hospital o medico me disse: “O quadro do seu pai está critico”. Lembrei-me das aulas de pintura e de crítica de arte, mas não soube responder se um “quadro crítico” referenciava uma crítica positiva ou negativa. São momentos como este que sinto que posso ser uma doutora e que a profissão do curador e do médico não são tão diferentes quanto parecem ser, pelo menos quando analisadas semanticamente.

Logo em seguida pergunto ao médico por que ele resolveu estudar medicina e ele me responde: “Para ajudar as pessoas”. Logo após complementa: “Você também pode ser médica!”. Mal sabe ele que já sou curadora….