Ateliê das quatro por Juliana Monachesi
As artistas Carol Seiler, Helena Kavaliunas, Lynn Carone e Natasha Barricelli, que dividem o Ateliê das Quatro, na Vila Madalena, em São Paulo, apresentam no mês de novembro três exposições concebidas coletivamente para espaços expositivos de características diferentes na cidade. Todas as obras foram desenvolvidas para as exposições e foram pensadas como problematizações do próprio espaço em que estarão inseridas. As discussões sobre este projeto tiveram o acompanhamento crítico de Juliana Monachesi, que assina o texto da publicação a ser lançada no início de dezembro, com registros de todas as etapas de montagem e exposição dos três lugares em que o projeto acontece.
Para o Centro Histórico Mackenzie, Carol Seiler criou um desenho sobre tecido que será instalado no espaço central de uma sala, podendo ser visto de ambos os lados, que traz um poema bordado com cabelo humano; Helena Kavaliunas apropria-se do elevador do Centro Histórico criando duas situações plásticas: uma réplica da estrutura/envoltório do elevador, instalada em frente ao mesmo, com lâminas de papel craft envelhecido, e fotografias de detalhes desta instalação plotadas em papel adesivo que será aplicado ao vidro da estrutura do elevador; Lynn Carone apresenta uma escultura feita por meio do empilhamento de tijolos na qual deixa algumas frestas, umas vazias e outras preenchidas por imagens feitas no próprio Centro Histórico, além de uma série de pequenas fotos de vistas do interior do edifício, sempre observado pelas frestas da escadaria; e Natasha Barricelli esculpiu em argila branca, posteriormente queimada e esmaltada de branco, tecidos emaranhados, que funcionam como metáfora de cortinas que tivessem caído no chão da sala, deixando ver o exterior e chamando, assim, a atenção para o lado de fora.
No Ateliê 397, o que mobilizou as artistas e pautou as discussões foi o contraste com o espaço “museológico” do Centro Histórico Mackenzie; por se tratar de um espaço expositivo alternativo, “contaminado” pelo cotidiano do seu funcionamento como ateliê e também por elementos arquitetônicos e outras características do espaço, o Ateliê 397 parecia pedir trabalhos de site specific que se relacionassem com o lugar, seus usos e sua história; Lynn Carone escolheu os nichos de um pequeno muro que separa o corredor central do espaço dos fundos do ateliê para instalar imagens fotográficas daquele mesmo muro, a serem “descobertas” nos vãos até então desabitados daquela parede azul; Natasha Barricelli propôs uma intervenção com cerca de 100 quilos de gesso diretamente sobre a parede mais utilizada do ateliê, percorrendo com a forma escultórica branca os “acidentes” da arquitetura: janelas, portas, desníveis etc.; Carol Seiler parte dos fios de eletricidade visíveis, pelo lado de dentro, na fachada do 397 para criar um imenso “rabo de cavalo”, como se fosse a continuação “natural” daquela fiação, que se estende do alto até o chão; e Helena Kavaliunas simula, em uma pequena caixa de acrílico, o percurso do primeiro corredor do ateliê repleto de camadas quase transparentes de um voal que vai do teto ao chão e remete à textura da pele humana.
O Espaço Ophicina também será ocupado pelas quatro artistas com trabalhos individuais que dialogam com a especificidade do lugar. Cada uma delas vai utilizar um dos quatro nichos externos do espaço com uma obra que terá continuidade no espaço interno, com uma obra de cada artista em uma das quatro paredes da sala de exposição.
“A partilha sensível do espaço e das idéias que tem lugar em um ateliê dividido por quatro artistas transposto para três outros lugares, completamente distintos entre si e do próprio ateliê onde o projeto de ocupação destes três outros espaços foi gestado. A idéia, inédita – a meu ver (há muitos projetos que são iniciativa de grupos de artistas e há muitas iniciativas que propõem a tomada de posição e de espaço nos interstícios do circuito de arte, digamos assim, mas desconheço um trabalho de ocupação artística periódica de diferentes lugares por um mesmo grupo de pessoas com potencial de se estender e se sistematizar refletindo constantemente sobre as etapas anteriores e seguintes)–, se torna pública a partir do dia 7 de novembro, com a abertura do Capítulo 1 desta narrativa –que tem começo e meio, mas fim indefinido– no Centro Histórico Mackenzie com obras das artistas Carol Seiler, Helena Kavaliunas, Lynn Carone e Natasha Barricelli. O que era de caráter privado –o cotidiano de um ateliê compartilhado– vem à tona na forma de três exposições concebidas pelas quatro e embasadas também na partilha sensível do espaço e das idéias, agora tornados públicos (o espaço tornado espaço expositivo e as idéias tornadas obras).”
(…) “Os trabalhos apresentados no Ateliê 397 demonstram que a observação cuidadosa do lugar e a reflexão sobre suas características foram seriamente enfrentadas pelas artistas. Cada obra responde a um elemento arquitetônico ou cultural sugerido pelo espaço. Helena trata do fluxo de pessoas por becos urbanos que escondem verdadeiras preciosidades em São Paulo. O corpo-a-corpo com a cidade está representado na pequena jóia que é o objeto transparente com frágeis peles suspensas dentro que a artista instalou no escuro corredor de entrada do Ateliê 397. Como tantos corredorzinhos ou ruazinhas que nos transportam, do caos da rua movimentada, aos aconchegos mais especiais desta cidade, este escolhido por Helena Kavaliunas –que leva, já sabemos, à efervescência cultural que é o 397– é transposto simbolicamente para uma caixa de acrílico em que cidade e corpo tornam-se uma coisa só. Da observação desse pequeno universo translúcido, o olhar escorrega para a presença escultórica da intervenção de Natasha no corredor maior do Ateliê 397.”
“Uma presença ondulante, toda branca, que acompanha a arquitetura da casa e sugere um espreguiçar-se ou derramar-se da parede branca para frente, como se não pudesse se conter em ser uma superfície plana e comportada. A instalação feita com 100 quilos de gesso também se opõe ao liso da parede pelas marcas das mãos, pelo ‘acidentado’ do contorno sinuoso que a forma ondulante foi ganhando conforme percorreu o espaço. Em plena coerência com a trajetória recente de Natasha Barricelli, que vem construindo esculturas e intervenções diretamente no espaço, simulando uma continuação impossível da arquitetura em conformações disformes, a obra no 397 instaura uma dubiedade em relação ao lugar, uma espécie de auto-consciência ou auto-reflexividade do lugar, como se isso fora factível… um lugar que se pensa… E depois de caminhar com o trabalho da artista, o observador que olha para trás, no sentido da porta de entrada, vê outra manifestação do lugar se pensando a si mesmo: uma instalação orgânica, construída ou brotada do lado interno da fachada, que pende do alto e se estende como uma trança de Rapunzel. Trata-se do trabalho de Carol Seiler.”
(…) “Ao final do percurso, para quem tiver o olhar aguçado, pois aqui não estamos mais diante de um trabalho que salta aos olhos e sim de uma sutil intervenção que demanda um saltar dos olhos, a obra de Lynn Carone convida a ‘ver através’. Imagens fotográficas ampliadas em superfícies transparentes deixam ver o que há atrás do último muro do 397 e também o que há dentro dele. As fotos, conforme as vamos desvendando, mostram uma investigação detida daquilo que os olhos não captam, da beleza contida em detalhes que costumam ser invisíveis ao olhar apressado. (…)”
[Trechos do ensaio da crítica de arte Juliana Monachesi para a publicação “Novembro”.]