Wagner Malta Tavares, o zelador da porta do inferno por Rafael Campos Rocha

Wagner Malta Tavares, o zelador da porta do inferno

por Rafael Campos Rocha

Para evitar o excesso de desenvoltura, as peças de WMT tem seu desenvolvimento travado pela arquitetura, pela resistência do mundo frente ao material, pela vontade do artista. Ao mesmo tempo, parecem aparelhos que tem suas dimensões e configurações ideais para o exercício de atividades invisíveis, praticadas por uma entidade que existe em outra instancia dimensional da qual o único vestígio, inexplicavelmente, são as esculturas de Wagner Malta.

O escultor retoma o mito do artista romântico que, ao comunicar-se com o sentido oculto das coisas e não podendo expressá-lo claramente para os seus, realiza objetos mudos, apesar de histriônicos. Essa materialização escapa tanto a descrições assertivas quanto ao palavrório inútil de catálogos como esse, não porque apareça em seu estado primevo para o artista como imagem, mas porque mesmo a imagem parece insuficiente para descrever o impulso que as gerou. De fato, brotando das quinas, do chão do teto e das paredes, as peças aceitam meio a contragosto a formalização que o artista as submete. Alheias ao gosto corrente, as esculturas apresentam-se auto-suficientes, indiferentes a crítica e mesmo a opinião.

Site specific é uma expressão que designa obras de arte criadas em um determinado lugar e que existem somente no diálogo com esse. Pois bem, o Brasil tem alguns exemplos de site specific transcendental. O nosso artista, Renata Lucas e Iole de Freitas, mesmo que em escalas e de modos diferentes, parecem querer revelar o universal e imutável, escondido no mundo mas gerador dele. Transcendendo, portanto, o lugar onde a obra se apresenta. Se esta ali é porque foi aberta uma brecha para a atuação do artista. Tanto que suas peças podem ser transferidas, com maior ou menor de eficácia. Isso sem falar nas dificuldades de se tratar de arte pública em um país sem bem público.

Enfim, seus monolitos pré-cambrianos são tanto escoras quanto paredes vivas. As geometrias complexas dos materiais são travas repressoras ao movimento desenfreado. Todo seu aparato de artista formalizador é usado para anunciar, e ao mesmo tempo tentar deter, a lava desconhecida que ameaça irromper na vida conhecida. Apesar da proximidade intencional com os filmes de ficção científica e com os quadrinhos – a materialidade kitsch das peças e as simulações de movimento, respectivamente – o artista passa por cima da vaga da iconografia pop não por preferir esteticamente a austeridade do construtivismo, mas pela urgência da ação. Esse constructo, que faz tão visível a coisa, é um corpo apropriado, possuído, invadido, como o clássico de ficção dos anos 50. Apesar da aparência excêntrica das peças, foi o modo que elas encontraram para estar no mundo. No nosso mundo, quero dizer. Daí seu jeito auto-suficiente, de estrangeiro deslocado e que desconhece, ou não se importa, com as regras do lugar. WMT põe seu construtivismo para tapar o buraco do mundo, por sinal aberto por ele mesmo, de onde irrompem as forças amorfas, e assiste, fascinado, as ondas que explodem nos muros fabris.