Múltiplos397: Marcelo Amorim

O artista Marcelo Amorim vem construindo há anos uma obra que retira do silêncio sua potência perturbadora. Frente à espetacularização da vida, o artista prefere manter uma produção em baixo tom, solapando pouco a pouco a ideia de que, em um trabalho de arte, a comunicação pode ser feita de modo imediato.
Chamando a atenção de forma discreta, mas nem por isso menos aguda, para aquilo que ficou para trás, perdido no tempo, não contabilizado pela História, sua produção tem o poder de resgatar coisas – pessoas, hábitos, formas de sociabilidade e comportamentos – esquecidas ou deliberadamente apagadas da memória social coletiva.
A técnica empregada em seus trabalhos desempenha papel fundamental nessa construção. O artista frequentemente utiliza materiais antigos como fonte primária de sua pesquisa. Na serigrafia sem título (2012), especialmente elaborada para o projeto Múltiplos 397, ele parte de uma fotografia encontrada na internet. Trata-se de uma foto dentre as inúmeras postadas na rede diariamente cuja origem e referentes permanecem não revelados. Utilizar um material que está à disposição de qualquer um e, ao mesmo tempo, inevitavelmente perdido na quantidade de imagens que a rede nos oferece é um ponto de partida instigante. Revela desde o início que a disponibilização de conteúdos em larga escala traz consigo seu inverso: uma espécie de condenação de todos eles a um esquecimento, a viverem escondidos e sobrepujados por uma avalanche de “fotos do momento”.
Na imagem em questão, vemos um retrato do que podemos supor ser um time masculino de basquete, com os homens vestidos com um uniforme onde se lê: “normal”. A foto é um retrato bastante tradicional, com os jogadores postados diante da câmera e uma figura, vestida de terno, que podemos supor ser o técnico ou o árbitro da partida. Curiosamente, o que se vê não são atletas animados com a partida, mas pessoas sérias e bastante constrangidas. A afirmação de normalidade, estampada nos uniformes, mais nos faz desconfiar de que estejamos diante de pessoas “normais” do que atestam verdadeiramente sua normalidade. O nome parece funcionar como um rótulo, que antes nos faria desconfiar de sua veracidade, como quando lemos em um produto “livre de gordura trans”. O tratamento das pessoas como objetos desprovidos de subjetividade, quase como mercadorias nesse caso em que um rótulo se interpõe entre o sujeito e sua imagem, também nos remete inevitavelmente os retratos de cunho policial, aos presos fichados pela polícia, aos doentes catalogados em livros médicos. Classificados, identificados e rotulados como “normais” os homens retratados mostram-se desconfortáveis em representarem o papel sugerido. Afinal, ser normal pode ser um alívio ou um fracasso, a depender do ponto de vista e das regulamentações sociais que determinam o uso da palavra.

Thais Rivitti

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